A Duquesa de Paus - cena deletada 1
Em uma das versões de A Duquesa de Paus, Calliope descobriria sobre a vida secreta de Maximus antes de reencontrá-lo. Ele enviaria mensagens secretas para que ela pudesse saber da verdade antes de aparecer vivo. Decidi por outros caminhos, mas vou deixar aqui a cena em que ela encontra essas mensagens para vocês.
Fly me up to where you are beyond the distant star
I wish upon tonight to see you smile
If only for a while to know you’re there
A breath away is not far to where you are
— Bom dia, Cal.
Lucian Asher, o Duque de Lochbride, a cumprimentou assim ela entrou na sala de vidro, o escritório dos Ases no clube que fundaram para executar um projeto de vingança. Eram onze e quinze da manhã e Calliope estava atrasada. Não que ela precisasse cumprir horário no Quatro Ases. Aquele era o seu clube, o que herdara quando Maximus faleceu e a deixou sozinha. Era a sua segunda casa.
Mas ela estava agitada desde que acordou. Sonhou com o marido mais uma vez e acordou chorando, algo que não acontecia havia muitos meses. Seu corpo estava sensível pela noite anterior. Sua alma estava em frangalhos porque ela finalmente experimentara o prazer pelas mãos habilidosas de um estranho — e se sentia culpada por isso.
— Não tão bom assim — ela resmungou e caminhou até o aparador de bebidas. — Estou aguardando notícias dos meus investigadores há cinco dias e não recebi nenhum relatório sobre o grupo que pretendemos derrubar. Sem contar que Alexandra está em Hampshire e eu não tenho uma amiga à disposição para conversar sobre assuntos femininos.
Lucian se levantou e serviu uma xícara de café preto antes substituir a taça de conhaque de suas mãos. Ela fez uma careta.
— Não bebo café.
— Talvez seja uma experiência melhor do que conhaque às nove da manhã.
Ele estava certo. Calliope bebeu um gole do líquido preto e sentiu o amargor queimar a garganta. Era inadmissível que os amigos gostassem tanto de café, mas ela precisava realmente de algo que a mantivesse alerta e que alimentasse seu mau humor. Seus olhos vagaram brevemente pela sala e se fixaram em um envelope pardo sobre sua mesa.
— O que é isso? — Ela se aproximou para ler o que estava rabiscado no papel. — Quem deixou isso aqui?
— Já estava quando eu cheguei. — Luke serviu outro café. Para si. — Hugh passou a noite, mas duvido que ele tenha prestado atenção em algo. Não há remetente?
Calliope segurou o envelope nas mãos e examinou os dois lados. Havia apenas seu nome escrito em uma letra indistinta. Sem pressa, ela pegou um abridor de cartas e se sentou. Naquele momento, Lucian já estava ao seu lado. Observando. Ele era a melhor pessoa para acompanhá-la em uma jornada pelo desconhecido porque não existia ninguém mais paciente e racional do que Lucian Asher.
O conteúdo lhe era desconhecido. Quatro relatórios que não foram feitos a seu pedido. Ela os espalhou sobre a mesa na ordem em que estavam dentro do envelope. Não eram relatórios, mas páginas arrancadas de um caderno.
Um diário.
— Está em francês — Luke verbalizou o óbvio. A porta da sala se abriu e Hugh fez a sua entrada triunfal. Carregando uma caixa de madeira, ele estava sem casaco e com a gravata frouxa no colarinho.
— O que está em francês? — Huey perguntou, colocando a caixa sobre a mesa oval de reuniões.
— Quem deixou esse envelope para mim? — Calliope não o respondeu, apenas ergueu o objeto e caminhou na direção do amigo recém-chegado.
— Um moleque de recados. Acho que já o vi por Whitechapel ou Shadwell, não tenho certeza. Um de seus investigadores deve ter mandado.
Ela balançou a cabeça. Hugh abriu a caixa de madeira e despejou um monte de cartas de baralho sobre a mesa. Todas do coringa, todas com algum tipo de rabisco macabro. Ele as vinha recebendo há semanas e estava quase enlouquecendo para descobrir quem era o emitente.
— Cal, talvez você queira ver isso.
Lucian a chamou. Ele estava com o dedo sobre uma palavra específica escrita em uma das páginas e ela nem mesmo precisou se aproximar muito para reconhecer o que ela significava. Como não acontecia há muito tempo — exceto na noite anterior, quando estivera na iminência de um orgasmo — seu coração disparou. Calliope passava os dias procurando formas de se sentir viva quando bastava a mera visão do nome de seu falecido marido para que seu corpo reagisse visceralmente.
— Dê-me isso. — Ela pegou o papel, abandonando a postura comedida de sempre. No texto, alguém acusava Maximus Cadden do desaparecimento de alguns documentos. Parte do texto estava borrada. — Que documentos são esses, Luke?
— Não sei, mas essa não é a parte interessante. Pelo que diz aqui, Max estava envolvido com espionagem.
Calliope piscou diversas vezes, como se um grão de areia tivesse caído em seus olhos. Ela fazia um esforço diário para manter tudo que fosse relacionado ao canalha com quem se casara em um canto escondido no fundo da mente. Acordava tentando não pensar em Maximus, dormia com a certeza de que falhara. Depois de mais uma noite sonhando com o patife, lá estava ele perturbando a sua sanidade mais uma vez.
Havia algo muito errado com ela. Aquele patife não merecia nada do que Calliope já lhe dera. Ele a traiu com toda Londres. Humilhou-a publicamente com suas amantes notórias e a deixou por dias e noites a fio sem companhia. Sem sua presença. Maximus fez tudo ao seu alcance para tornar a vida dela miserável.
Ainda assim, ela esperava que aquilo mudasse. Max não era cruel. Ele a tratava como uma rainha quando estavam juntos. Fazia-a sentir-se adorada e querida — então ela tinha esperanças. Os anos passaram e a esperança envelheceu.
— Eu saberia se ele estivesse. Não saberia? — Calliope girou pela sala. Hugh parou de organizar as malditas cartas para descobrir o que a deixara tão nervosa. — Vocês saberiam.
— Ninguém saberia. — Luke moveu os ombros. — Ele levaria esse segredo para o túmulo, assim como todo bom espião.
— Caramba, isso aqui é muito crível. — Huey jogou o papel sobre a mesa e passou as mãos pela cabeça. Seus cabelos eram curtos o suficiente para que ele não conseguisse bagunçá-los com o gesto. — Max estava sempre agindo misteriosamente. Era o mais desidioso com o projeto dos Ases. Passava muito tempo fora de Londres sob a escusa de ter negócios no continente. E era próximo do Príncipe de Gales.
Poucas pessoas conseguiam entender a lógica de Hugh Moreland, o Duque de Lanford, na primeira tentativa. Lucian dizia que as engrenagens em seu cérebro funcionavam em uma rotação diferente e Calliope concordava. Mas, daquela vez, tudo fez sentido muito rapidamente.
Maximus Cadden era um homem enigmático e com contatos importantes. Todo mundo sabia que o Príncipe de Gales recrutava espiões. Seu marido podia ser um espião, mesmo que ela rejeitasse com veemência aquela hipótese.
— Mesmo que seja verdade, por que estamos recebendo isso? — Ela apontou para as páginas de diário. — Agora? Ele está morto, não importa mais que identidades secretas o Max teve.
— Talvez alguém queira que descubramos quem o matou. — Lucian racionalizou. — Algum amigo dele que não possa revelar ser um espião, mas queira ajudar a desvendar o assassinato do Duque de Greystone.
Calliope inspirou uma grande quantidade de ar e se sentou. O café esfriara na xícara, mas ela queria mesmo era o conhaque que lhe fora negado. Era mais fácil lidar com qualquer assunto ligado a Maximus se estivesse embriagada.
— Seja quem for, escolheu um momento horrível para divulgar informação. — Huey apoiou os quadris na escrivaninha e pegou as páginas de diário. — Temos um grupo de criminosos para pegar e um correspondente misterioso para desvendar.
— Você não faz mesmo ideia de quem está te mandando essas cartas, Huey? Nem imagina um inimigo em potencial que queira derrubá-lo? — Lucian questionou.
— Luke, meu caro, eu tenho dezenas de inimigos em potencial. — O Duque de Lanford moveu os ombros. — Só não imaginava que nenhum deles fosse do tipo ousado.
— Não temos tempo para isso. — Calliope tomou as folhas das mãos de Hugh e as enfiou em uma gaveta. — Eu não quero saber. — Ela afundou o rosto nas mãos. — Não preciso manchar ainda mais a imagem que tenho do meu marido.
As mãos rudes e calosas de Hugh tocaram-na nos ombros. Ela se levantou de súbito e aceitou o abraço reconfortante que ele oferecia. De todos os Ases, Huey era o único que conseguia demonstrar algum afeto. Lucian os observava de uma pequena distância, com as sobrancelhas franzidas no centro da testa e as mãos fechadas em punhos.
— E se descobrir sobre as circunstâncias da morte dele ajudar a limpar todas essas manchas, Cal?
Maldição. Ela odiava quando o Duque de Lochbride tinha razão — e Luke estava certo com muita frequência.
Alguém enviou aquela peça de quebra-cabeças para que eles descobrissem o que aconteceu com Maximus Cadden dois anos depois de sua morte. Alguém tinha acesso a informações privilegiadas de uma suposta vida secreta de seu marido — e essa pessoa estava dando a eles, os Ases, a chance de encontrar os assassinos do Duque de Paus e vingá-lo.
Se alguém estava se dando a todo aquele trabalho, talvez Max não fosse a pessoa horrível como Calliope declarou irrevogavelmente. Ele podia ser um marido ruim, mas um bom homem. Se fosse aquele o caso, ela devia a ele um fechamento. Devia a ele a verdade.