A Duquesa de Paus - cena deletada 3
Essa cena seria um flashback na história, mas optei por outra estratégia.
Divirtam-se.
Londres, doze de agosto de 1867
O dia do casamento
Maximus nunca ficava nervoso. Era comum que bebesse em situações de extrema tensão, e aquela era uma delas. Depois de esvaziar quase uma garrafa do melhor uísque que seu pai nunca teve a chance de beber, ele se sentia pronto para cruzar a capela St. George e tomar Lady Calliope Solomon como sua esposa.
Claro que, quando ele a pediu em casamento, tinha o único propósito de causar mais desgosto ao já falecido Eustace Cadden. Ela era jovem, muito bonita e sempre sorridente, porém não tinha dote e seu pai era um dos homens mais escandalosos de Londres. Diziam pelos salões de fofoca que Damiano Solomon era louco. Nos recantos dos cassinos e clubes de cavalheiros, apostava-se que ele tinha pacto com o diabo e fazia rituais macabros em sua propriedade em Yorkshire.
Ele não acreditava naquelas bobagens, mas elas eram suficientes para macular em definitivo a reputação da bela Calliope. O suficiente, também, para tornar aquele casamento uma afronta a tudo o que sua família fingia ser na sociedade.
Mas isso foi no início. Ao iniciar o cortejo daquela dama singular, Maximus não esperava ser afetado por ela. Afinal, o Duque de Greystone era um notório libertino, que nunca se deitava duas vezes com a mesma mulher, e que desperdiçava o dinheiro do ducado com jogos ilícitos e todo tipo de imoralidade.
Quem, em sã consciência, esperaria que ele se apaixonasse? Não. Aquilo era um absurdo. Por isso, Maximus rejeitou a ideia. O que ele sentia não tinha nada a ver com paixão. Aquele sentimento puro, intenso e humano não era compatível com sua alma condenada. Os Cadden não amavam ninguém.
— Você está bêbado? — Cassius Godwin, seu melhor amigo em Eton e Oxford, e também seu padrinho, o interpelou na chegada à capela.
— Talvez. — Max moveu os ombros e cambaleou na direção do altar. Tropeou no tapete vermelho e quase caiu por sobre um vaso de flores. — Pelo visto, estou.
Cassius suspirou e o arrastou até uma sala privativa. Muitos dos convidados já estavam sentados no aguardo da cerimônia que ocuparia os folhetins por vários meses — até que outro escândalo surgisse.
— Max, não faça isso. — Seu amigo colocou as duas mãos em seus ombros e o encarou. — Não destrua a vida de uma inocente só para se vingar de… um defunto?
Maximus deu uma risada.
— Você não tem morais para me julgar, Cas.
— Não o estou julgando.
— Bem, eu não pretendo destruir a vida dela. — Ele virou de costas para se livrar do olhar inquisidor de Cassius e acabou de frente para a estátua de um santo qualquer. — Eu a farei uma duquesa. Ela terá liberdade, dinheiro e autonomia para ser quem quiser.
— Em troca de um herdeiro.
— Eu não desejo que ela não me dê herdeiro algum. — Outra risada e Max voltou a encarar o amigo. Era melhor ser julgado por um dos seus do que pelo santo inominado que poderia condenar a sua alma a profundezas ainda mais profundas. — Não há outro homem para assumir depois de minha morte. Se aparecer algum Cadden perdido pelo mundo, não será por minha culpa. Por mim, que a linhagem do meu maldito pai acabe comigo.
Cassius virou o pescoço enquanto o observava e procurava a verdade naquelas palavras. Eles se conheciam bem. Eram amigos desde que nasceram, porque seus pais eram os dois homens mais cruéis que já existiram sobre a Terra. O reconhecimento da dor os mantinha unidos.
E, bem, Maximus não estava mentindo. Ele não queria estragar a vida de Calliope nem contaminá-la com sua semente maldita. Se fosse um homem honrado, cancelaria o casamento e a deixaria ser feliz com alguém que pudesse retribuir os sentimentos que ela certamente desenvolveria durante os anos de convivência. Só que ele não era nem honrado, nem altruísta para negar a si algo que desejava.
Ele a desejava muito. Então, o que poderia fazer era tentar.
Tentar não ser um marido horrível. Tentar evitar que seus demônios assombrassem o leito nupcial. Tentar dar a Calliope o que ela merecesse, mesmo ciente de que ela merecia muito mais do que ele jamais seria capaz de oferecer.
— Limpe esse rosto e vamos. Não é nada elegante para o noivo atrasar.
Ah, sim, era de péssimo tom atrasar para o próprio casório. Max deixou que o amigo segurasse seu braço e o conduzisse para o altar. Lá, encontrou-se com Lucian Asher e Hugh Moreland, os outros dois Ases. Poucas semanas atrás, os quatro pactuaram uma vingança que só terminaria com a derrota de todos os seus inimigos. Eles eram unidos, fortes e poderosos — e o apoiariam mesmo que discordassem de seu casamento.
Aparentemente, os miseráveis tinham algum tipo de moral que Maximus não entendia. Nem compartilhava.
A marcha nupcial, tocada por um cravo, inundou seus ouvidos. A cerimônia estava começando e as portas da St. George se abriram. Céus, aquele era o som mais horroroso que já ouvira — e um ótimo contraste com a beleza da mulher que caminhava em sua direção.
O feio e o belo como se fossem uma só matéria.
Calliope usava um vestido branco com um véu fino cobrindo o rosto. Maximus odiou a mera existência dos véus apenas por ousarem impedi-lo de apreciar aquela beleza. Uma criança — que ele não conhecia — vinha à frente jogando pétalas de rosas brancas pelo caminho. Damiano, cuja loucura estava sob controle naquela manhã, conduziu a filha até ele e a entregou com um aceno de cabeça.
Maximus levantou o véu e viu que ela estava sorrindo, sua Calliope. Havia um brilho diferente nos olhos claros que o faziam lembrar da primavera em Yorkshire. Vê-la tão contente fez com que ele não conseguisse respirar. Toda a capela desvaneceu, até mesmo a música ruim, e sobrou apenas ela. A mulher que, em minutos, se tornaria sua. Para sempre.
Ele não acreditava em eternidade. Tudo era efêmero, breve e passageiro. Suas irmãs. Seus cães. Sua mãe. Suas babás. Tudo entrava em sua vida e saía rapidamente. Um dia, o pai disse que a culpa era dele — que Max era amaldiçoado e matava tudo o que amava. Talvez Eustace tivesse razão. O que mais ele seria, sendo filho de um demônio?
Era por isso que ele não podia amar. Nunca mais. Ele não queria, porque amar alguém significava que aquela pessoa o deixaria. Que ela iria embora, ou morreria, ou seria arrancada dele para que aprendesse a se comportar.
Não importava o que ele sentisse por Calliope, aquele sentimento teria que desaparecer um dia.