O Duque de Ouros - cena deletada 1
- Tatiana Mareto
- há 31 minutos
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Na primeira versão de O Duque de Ouros, Sally não levou um tiro e foi resgatada por Hugh. Ela chegava incólume a Londres e se oferecia para trabalhar na casa Lanford já sabendo quem era o duque, na intenção de prejudicá-lo.
Essa é uma das cenas que eu apaguei quando mudei a forma como eles se conheceram. Adoro a energia dos dois.
Todos os nervos de Sally estremeceram pela simples menção daquele nome. Ela travou o maxilar e girou nos calcanhares com toda elegância possível, na expectativa de encontrar o canalha decrépito que arruinou sua família.
Ela apenas não esperava que ele fosse tão…
Alto. Ele era alto e ocupou imediatamente muito espaço ao entrar na cozinha. Ombros largos quase não passaram na porta e os criados se encolheram diante da chegada do duque. Sally duvidou que fosse medo — eles apenas sabiam que não caberiam todos no mesmo espaço.
Forte. O homem tinha mãos enormes e o paletó não continha seus braços. Ela não precisava olhar muito para imaginar que aquele duque tinha os músculos de um trabalhador braçal. O que era bastante confuso, já que duques eram preguiçosos e fugiam do trabalho como o diabo da cruz.
Negro. Jesus, Maria e José — ele era negro!
Sally sabia que era um pouco tola. O tempo que passou vivendo no convento tornou-a uma erudita, que sabia muito sobre astronomia, física, química, matemática e geografia — mas a deixou ignorante sobre a vida em geral. Ela ouvira dizer que havia outros negros na Grã Bretanha, mas nunca vira nenhum.
Claro, ela pouco saía de casa. Conhecia a vila e nada além. Não havia pessoas como sua mãe e ela ao seu redor. Ainda assim… aquele homem era um maldito duque! Não blasfeme, Sally Sutherland. Você já tem pecados demais para expiar.
De todos os boatos que ela ouvira, nenhum deles sugeria que havia pessoas de cor em cargos de poder. Ainda mais na aristocracia.
Talvez tenha sido o fascínio imediato — e inconveniente — que a deixara abobalhada diante do novo patrão, mas Sally levou um minuto inteiro para percebê-lo com a mão estendida em sua direção.
— É um prazer conhecê-la, Sra. Freeman. — Lanford roçou os lábios em sua mão enluvada. — Espero que se satisfaça com as condições de trabalho.
Sally fez uma reverência desajeitada, ainda desorientada pela surpresa. O beijo fervilhou por sobre sua pele e provocou nela uma repulsa nauseante.
— Certamente, meu lorde. Assim que conhecer Sua Graça a Duquesa de Lanford, garantirei que as expectativas dela estejam alinhadas com meu trabalho.
Um sorriso confuso brotou nos lábios dele. Sally não deveria notar que eram carnudos. Nem que pareciam macios.
— Não sou casado, senhora. Porém, não se preocupe: também não tenho expectativas. Contanto que a casa não desabe sobre a cabeça de ninguém e eu tenha roupas limpas para vestir, a senhora pode tomar as decisões que lhe aprouver.
Frank, o mordomo, balançou a cabeça. Ele não concordava com o discurso desinteressado do Duque de Lanford. Era incomum que um criado reprovasse seu patrão direta e frontalmente, porém tudo era incomum naquela situação.
Primeiro, a sua entrevista de trabalho conduzida por empregados. Segundo, sua contratação imediata. Bastou que Frank a visse para decidir que ela era ideal para o cargo. O homem mal notou suas cartas falsas de recomendação. Era como se ele nem mesmo se importasse com as referências.
Será que o mordomo também pretendia destruir o patrão? Fosse o caso, ela poderia tê-lo como aliado.
— Pois então eu gostaria de conversar com o senhor sobre algumas questões pontuais.
O duque a encarou como se ela tivesse ofendido suas três últimas gerações.
— Não precisamos conversar, Sra Freeman. Apenas faça o que sabe fazer.
— Vossa Graça não tem interesse pelo que acontece em sua própria casa? — Ela insistiu. Os criados presentes se entreolharam. Ao que parecia, Lanford não era mesmo um patrão muito admirado.
— Não, eu não tenho. Garanta apenas que as coisas funcionem de forma que eu não precise me interessar.
Ele lhe sorriu e Sally estabeleceu que aquele sorriso era muito perigoso. Nenhum homem que conhecia tinha uma fileira de dentes brancos tão atraentes. Se ela pretendia levar seu plano adiante, precisava adquirir imunidade a ele.
— Compreendo.
— Excelente! — Lanford esfregou as mãos. — Frank, retornarei para o Quatro Ases. Por favor, envie a correspondência que estiver empilhada em minha mesa para lá.
— Imediatamente, senhor.
O duque deixou a cozinha e Sally voltou a respirar. Não notou que estava prendendo o ar até que ele saísse. Seu coração estava disparado e suas mãos tremiam. Era a primeira vez que estava frente a frente com o homem que decidira arruinar — e ele não era nada do que ela esperava.
Não podia deixar-se enganar. Lobos costumavam vestir-se de ovelhas para seduzir o rebanho. O Duque de Lanford era cruel, mesquinho e irresponsável. Suas atitudes egoístas levaram o pai à morte. O aparente desinteresse pela gestão da residência ducal e aquela aparência de semideus não faziam dele um homem melhor. Era apenas diferente.
Ela detestava o Duque de Lanford. Todo mal que ele fizera à sua família não podia ser superado por uma aparência simpática e uma aura de sedução. Sally Sutherland não cairia na lábia daquele canalha.
Reassumindo sua postura, ela voltou a conversar com os criados. Era melhor que fosse daquela forma. Sem o patrão em seu encalço com demandas estapafúrdias ela teria mais oportunidades de descobrir como destrui-lo.
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