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O fim do começo de algo novo

Foto do escritor: Tatiana MaretoTatiana Mareto

Todo dia parece um pouco pior. 


Sim, todo dia eu abro o relatório KDP, olho e penso: não tá bom. Todo dia também eu reflito que não está bom mas está normal, que os números provavelmente refletem uma média satisfatória do que é o mercado literário independente dos romances de época está vivenciando recentemente.

O Grito, de Edvard Munch.
O Grito, de Edvard Munch.

O burburinho está em todo lugar. Nos Estados Unidos só se fala nisso: em como as autoras de romance de época estão sendo desconvidadas a escreverem livros do gênero e sendo constrangidas (escreve ou não te publico!) a se dedicarem a outros “romances”.


Contextualizando, o romance de época que lemos aqui no BR não é nosso. O gênero não surgiu aqui e as tendências não nos pertencem. Tudo o que fazemos vem do mercado estadunidense, que dita as regras de um romance que se passa, pasmem, na Inglaterra em sua maioria. Então, quando a onda se forma por lá, não demora muito para o tsunami nos atingir, aqui. 


Esse fenômeno da derrocada do romance de época é algo que observo entristecida há aproximadamente um ano. Eu analisava o mercado nacional como um todo partindo de duas problemáticas que pareciam determinadas a afundar totalmente o gênero em areia movediça:


  1. Muita gente decidiu escrever romance de época desde 2020, acreditando que havia um mercado promissor (entenda-se por farto, rico e em crescimento) para o gênero, o que não é verdade e;

  2. O romance de época é extremamente focado em histórias regenciais e vitorianas, todas com os mesmos elementos que se repetem em um círculo interminável da mesma coisa que, em algum momento, sobrecarregaria o mercado de livros iguais. 


Elaborando um pouco mais, o mercado de RE é pequeno, nichado e restrito. Existe um grupo de leitoras que aprecia o gênero e esse grupo não está crescendo. Talvez o fenômeno Bridgerton tenha iludido algumas pessoas a acreditarem que a série de sucesso da Netflix (com o dedo mágico e apodrecido de Shondaland) impulsionaria um crescimento frenético de leitoras de RE, mas isso não aconteceria apenas porque a série é audiovisual. 


O público audiovisual não é público leitor. Quem vê TV não necessariamente lê livros. O enorme sucesso da série não é, nem seria, o enorme sucesso do RE como um todo. 


Mas o problema começou antes, durante a pandemia da COVID-19, quando muita gente confinada começou a ler (e quem já era leitora passou a ler muito mais). Ali também se criou uma ilusão de mercado leitor que não se sustentaria com o passar dos anos e com a retomada da vida das pessoas. 


Em resumo, chegou muita gente escrevendo RE, o que por si só dissolveria as leituras entre muitas autoras, e o público passou a ler os mesmos livros em bem mais tempo, porque voltaram à vida “normal”. 


Sobre as histórias todas iguais, isso é mais uma percepção minha de que, um dia, as leitoras vão se cansar e procurar outros gêneros para um refresco de novidade. Eu não aguento ler a mesma história o tempo todo, com as mesmas tropes e os mesmos elementos, então julgo que há mais gente como eu perdida por aí. 


Mas a coisa degringolou bastante na minha análise de autora independente quando a gringa esclareceu o que é provavelmente o ponto zero da queda dos números do romance de época: as editoras não querem mais o gênero. Elas podem até ainda publicar as grandes autoras renomadas, mas estão evitando novos livros de RE e solicitando que suas autoras migrem para outros nichos. Com isso, cai integralmente o investimento no RE, o marketing esmorece e não se fala mais nele. Como não se fala mais nele, as pessoas acabam não vendo mais novidades, no mesmo momento em que são bombardeadas pelas novidades de outros livros.


É aqui que o problema pode ficar sério para nós, autoras independentes de romance de época. Editoras decidem o que as leitoras vão ler e, consequentemente, nos empurram para o fundo da prateleira


Como o mercado independente e o tradicional são bem distintos e muitas das regra de um não se aplicam para o outro, há um chamado na gringa para que as autoras de RE sigam suas próprias pernas e publiquem fora do mercado tradicional. 

Parece mais um grito de desespero do que uma solução a curto prazo, já que o RE, nos Estados Unidos, é um nicho tradicionalmente de editoras. Mesmo que tenhamos uma explosão de publicações independentes por lá, assim como temos por aqui, a verdade é que a leitora continuará esperando a brochura da Avon aparecer na livraria mais próxima.


Sem contar que, sim, a leitora de RE é tradicionalista e não gosta muito de mudanças. Uma transformação radical no gênero vai provavelmente criar outro nicho dentro do próprio romance de época e não necessariamente vai agradar àquelas que estão acostumadas aos romances tradicionais. 


Há quem tenha mais esperança porque, como também sabemos, mercados possuem fases (e tudo acaba voltando, até mesmo a horrorosa saia balonê):


Talvez eu seja um pouco mais pessimista ou realista, mas a verdade é que autoras precisam pagar suas contas (que vencem implacáveis todo mês) e o sentimento de que “o RE está morto” se dá pelo fato de que a perda de investimento no gênero leva a uma debandada de leitoras para outros nichos.



Porém, uma coisa não posso discordar: a autopublicação sobrevive aos terremotos. Ser independente nos dá mais liberdade para resistir às demandas puramente mercadológicas e nos permite manter gêneros vivos enquanto eles naufragam na publicação tradicional. 


Soluções para agora? Não temos. Continuo observando o que está acontecendo, mas sei que o mercado do RE está experimentando uma baixa significativa e muitas autoras estão migrando para outros gêneros ou insistindo, acreditando nas leitoras fiéis que adoram exatamente a mesmice e a historicidade do gênero. Há também aquelas que debatem sobre um possível e necessário rebranding do gênero para despertar o interesse de novas leitoras (o que acabaria por chatear um pouco as leitoras fiéis), como é o caso da Joanna Shupe:


Se precisamos de uma completa reformulação do gênero ou se o problema é como uma virose (não tem remédio, é só hidratar e esperar passar), também não sei. Posso apenas garantir que eu sou resistência. Escrevo ROMANCES e ROMANCES DE ÉPOCA são histórias que eu quero contar por muito tempo, ainda.

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Tatiana Mareto @ 2020 - Todos os direitos reservados.

 

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