Primeiramente, gostaria de dizer que faltam 3 dias para janeiro acabar e eu não aguento mais.

Em um mundo ideal, não seríamos explorados em nome do enriquecimento de meia dúzia de homens brancos com um energia humana radioativa e poderíamos escolher a periodicidade de nossas férias. Eu escolheria folgar 15 dias, três vezes por ano. Mas eu também escolheria uma jornada semanal intercalada, então eu provavelmente sou muito diferente de outras pessoas. Privilegiada, talvez?
Só sei que não tenho dinheiro para férias e descubro nesse período que mulheres trabalham o tempo todo mesmo quando dizem que elas estão folgando, então…
Segundamente, janeiro vem sendo, além de um mês com 4939202 dias, aquele em que jogaram, mais uma vez, na nossa cara, que somos objeto. Em janeiro, quem é do mercado literário viu que homens são todos homoafetivos (dedicam seus afetos somente a outros homens) e para nós sobra as degradações em mesas de bar ou e-mails corporativos. Em janeiro, vimos mulheres se lançando em cruzadas para defender homens que não precisam nem merecem qualquer defesa, porque sequer se deram ao trabalho de elaborar alguma.

Em janeiro também tivemos a desgrata nenhuma surpresa do (a) aumento das críticas aos romances nos EUA, aquele lugar que tanto respeita a liberdade de expressão (contém uma dose cavalar de ironia), (b) o google impulsionando sites que têm como objetivo detonar livros eróticos, sejam eles heterossexuais ou voltados para a comunidade LGBTQIAPN+, (c) descobrimos que a Amazon não vende ebooks, mas os licencia1, e que (d) a Sarah MacLean, aquela diva ativista dos romances de época, cuja voz deveria ser ouvida por todas nós várias vezes ao dia, está orientando que todas as leitoras comprem livros físicos e esgotem as edições dos romances em livrarias porque, sem nenhum espanto, eles podem ser banidos e recolhidos em breve (o que já vem acontecendo por lá).
Ou seja.
Janeiro vem sendo mais um péssimo mês para ser mulher em um mundo masculino, machista, misógino em que não existe trabalho seguro. O meio artístico pode ser composto de gente super progressista (?) no discurso, mas, lá nos cafundós nem tão escondidos assim, é só mais um grupinho de machos que não nos consideram seres humanos equivalentes vestindo uma capa de moralidade para nos enganarem como aliados.
Sim, eu estou falando do podcast da Rádio Novello e do que André Conti fez, assumidamente em suas próprias palavras, porque nem valia a pena negar, com Vanessa Bárbara. Não apenas ele, mas toda a galera envolvida, os parças que nunca abrirão uma boca nem levantarão um dedo para impedir um homem de violentar uma mulher, mas surgirão em hordas para defenderem os seus.
Agora pensemos nós, mulheres da literatura e das artes, o que homens não fazem, nem tão na encolha assim, conosco. Se o cara fez isso com a esposa, aquela que ele dizia amar (mas que traiu, usou, violentou, aviltou, difamou e tantas outras coisas horríveis), imaginemos do que eles são capazes?
Tatiana, mas você odeia homens?
Não.
Odeio o patriarcado e toda misoginia que vem com ele há séculos.
Odeio que o capitalismo tenha cooptado toda maldita pauta de movimento social, incluindo o feminismo, e tenha transformado nossa luta em cenário de Hollywood.
Odeio que nós não estejamos seguras física ou virtualmente e que ainda sejamos a carne barata do mercado.
Odeio que mulheres não se unam para derrubar esse sistema, mas se coloquem como linha de frente de defesa de macho por motivos que só entendo na teoria.
Odeio que meu trabalho como autora seja minimizado porque sou mulher e escrevo “literatura de mulherzinha”.
Odeio que meus romances sejam tratados com desdém por toda uma indústria que só tem nomes masculinos para citar.
Mas é ódio mesmo?
É. Na sua forma mais pura.
O que eu posso fazer com ele? Transformar em discurso, em palavra, soltar ao vento e ocupar os espaços que me negam.
Lá na Land of Freedom (continua sendo ironia) esses espaços estão cada dia mais ameaçados. Nós, aqui no Brasil, nem sabemos o que significa um book ban, o medo de que não possamos mais escrever aquilo que queremos ou ler aquilo que gostamos porque gente branca e milionária decidiu que não podemos.
Esses dias me peguei pensando nisso. Por que raios implicar com romances eróticos, livros que até ontem tinham sido relegados à não literatura, cujo propósito é majoritariamente entretenimento? Qual é o problema em se garantir voz artística a mulheres e pessoas LGBTQIAPN+, sejam brancas, negras, pardas, amarelas ou nativas? Sempre defendi que direitos são infinitos: garantir para um grupo não tira do outro. Direitos não são como aquele cobertor fininho e curtinho que descobre os pés de um quando o outro se enrola.
Mas aí me lembrei que não é sobre direitos, mas sobre poder. Poder não é infinito. Poder se divide. Quanto mais um grupo marginalizado ganha voz, mais ele pega uma fatia do poder e, quanto mais fatias de poder são distribuídas, menos sobra para quem tem. Poder é igual uma pizza média de seis fatias, mas que pode ser de oito, dez, doze. Quanto mais fatias, menor elas são.
Me permitam elaborar mais sobre isso na próxima newsletter. Hoje eu quero reclamar de janeiro e de todo esse furdunço no meio literário internacional que só tem a ver com misoginia e machismo.
Janeiro vai acabar, mas a perseguição a nossos livros, não. O mês vai embora, dará lugar ao carnaval, e continuaremos ouvindo críticas pesadas aos romances femininos, às mulheres que os escrevem e às que leem. As águas de março vêm, lavando a sujeira do mercado e deixando fértil o terreno para novas descobertas: mais romances criticados, mais clubes do bolinha nos ofendendo nem tão no sigilo assim, mais livros eróticos banidos, mais luta.
Nossa luta é permanente, então farei aquilo que posso: continuarei escrevendo romances eróticos, lendo romances eróticos e elevando a arte de mulheres.
Recomendação da semana
A Expulsão do Outro, de Han Byung-Chul. Estou lendo fora da ordem de publicação, mas ética da alteridade sempre foi um dos meus temas preferidos no doutorado e ele conversa muito comigo.
Sarah MacLean, no threads. Não sou a maior fã das histórias dela, mas sou fã dela, como mulher, como ser humano e como ativista por nosso direito de dizermos o que quisermos.
Comments